Uma das coisas que mais li quando se fala sobre casais, especialmente nas redes sociais que se propõem a explicar coisas da psicologia analítica, é que o homem tem como contraparte a tal da anima, que seria a “mulher” dentro dele, e a mulher tem como contraparte o tal do animus, que seria o “homem” dentro dela, sendo estes arquétipos, anima e animus, projetados nos parceiros e parceiras.
Além das diversas implicações teóricas que poderiam ser debatidas a partir desta acepção deveras simplificada, quando colocado desta forma, as potências arquetípicas e inconscientes da anima e animus são incrivelmente reduzidas, pois ambos têm muito mais a dizer à consciência do que simplesmente determinar, ou sentenciar, como será a vida em casal de uma pessoa. Sem falar nas atualizações decorrentes das questões de gênero que também precisamos pautar quando se fala desses arquétipos.
Vou deixar para outro momento uma explanação de anima e animus, pois uma das coisas que precisaria ser esclarecida na largada é o fato de se confundir os fundamentos arquetípicos destes elementos com os fundamentos individuais, que se manifestam via complexos. Neste momento quero apenas mencionar que concordo que aspectos de anima e animus são projetados, pois toda e qualquer projeção provém do inconsciente, logo, se anima e animus lá estão, naturalmente estão “disponíveis” para serem projetados.
Porém, quero ampliar, dizendo que uma relação em casal inclui muitas outras projeções que não “apenas” – como se isso fosse pouco – anima e animus. Casais projetam sombra um no outro, projetam complexos parentais, complexo de paixão, complexo de inferioridade, complexo de controle, complexo de ciúme (nunca, em hipótese alguma, o ciúme é sinônimo de saúde em um casal), complexo de controle, complexo de poder, e vou parar por aqui se não a lista de projeções ocuparia muitas páginas em um texto.
Naturalmente estou enfatizando os aspectos que levam à construção de casais insalubres, pois um casal essencialmente saudável não se interessaria por este texto! Porém, dada a complexidade de projeções envolvidas num relacionamento, a última coisa que recomendo no processo de análise, quando atendo alguém em crise matrimonial, é que se separe. Evidentemente fazemos uma avaliação em conjunto, analista e analisando, para entender o nível de sofrimento, abusos, violência e/ou alienações envolvidas.
Contudo, um casal típico, numa crise típica, que se repete indefinidamente, trocando apenas o fenômeno, ora é a louça suja, ora é a agressividade no trânsito e por aí vai, jamais deve simplesmente se separar! Explico: isso seria um desserviço que ambos poderiam fazer a si mesmos, pois sairia desse relacionamento para encontrar outro “espelho” e incomodar a vida desse outro, que por usa vez incomodará a vida do um. Todo e qualquer incômodo que um afirma sentir diante do outro se resume, essencialmente, numa projeção. Em outras palavras, o incômodo advindo do outro, não importando o nome que se dê, é sempre resultante de uma projeção.
Isso não quer dizer que pessoas não errem, que pessoas não sejam chatas ou algo do tipo. Entretanto, num casal existem pelo menos “três” pessoas: um, outro e os dois. Isso quer dizer que quando um fala do outro, também dala do dois, e quando outro fala do um, também fala do dois. O que na maioria das vezes é desconfortável, porém muito rico, é que estando em casal a chance de reconhecer o que é a projeção do um, e o que é uma idiossincrasia do outro, é muito maior do que não estando em casal.
Quero dizer que a simples separação, sem que criativamente os casais possam conversar, se abrir, escutar – e escutar mais um pouco – para que se tire um aprendizado deste relacionamento, a chance dos padrões se repetirem num próximo relacionamento é quase de 100%! Porém, muitos que se separam evitam entrar em outro relacionamento, passando por relacionamentos fugazes, que não dão a chance de se enfrentar as projeções num relacionamento mais longevo.
Não quero com esse texto estabelecer qualquer regra do que é certo ou errado num casal ou do que é ser um casal. Entendo que podemos admitir diversas possibilidades de relacionar, mas talvez este texto esteja mais direcionado àqueles que almejam estabelecer um relacionamento saudável mais próximo daquilo que chamaríamos de tradicional, estando em ou almejando um desses.
Também me irrita quando vejo supostas regras de como atuar dentro de um relacionamento ou como se estabelecer um. Transa na primeira vez? Não transa? Namora dois anos antes de casar-se? Vai morar junto depois de um mês de ficada? Essas avaliações são amplamente contextuais, pois o que tudo isso importa se o relacionamento não permitir que nos conheçamos com a ajuda do outro (pensando no relacionamento de adultos)?
Números, prazos, são realmente fundamentais para se estabelecer o futuro da saúde de um casal adulto? Não é o que a experiência diz. Conheço casais casados a mais de 30 anos dentro de relacionamentos normóticos – na patologia do normal – assim como casais que mal se conheceram, foram morar juntos e são super saudáveis.
Outra questão é: será que estar num relacionamento ruim é fruto apenas do azar? Evidentemente que parceiros ruins têm mais a ver conosco do que gostaríamos que tivessem! Por isso quando em crise, um casal deveria se abrir ao diálogo e ao confronto consigo mesmo (em vez de agredir o outro!). Apenas “fugir” para a separação não dá a chance do aprendizado que pode emergir do conflito. Digo ainda que quando bem trabalhado no casal esse conflito, a separação, que talvez seja a saída mais adequada no fim das contas, será mais saudável.
Reconheço também que muitas vezes um dos membros do casal quer levar conversas criativas (na maioria das vezes mulheres, mas nem sempre) enquanto o outro não quer chegar perto dessas conversas (na maioria das vezes homens, mas nem sempre). Quando isso acontece, aí não tem alternativa: ou separa ou fica preso na normose do relacionamento.
Casais são complexos demais para serem explicados em tão poucas palavras, mas espero que com esse breve texto eu possa ao menos ter criado algum incômodo criativo nos leitores interessados pelo tema. Estou disponível para trocar mais ideias sobre o tema lá no Instagram! Grande abraço.
2 comentários sobre “Um ensaio sobre casais”
Sim, criou um incômodo criativo muito saudável 😊
Oi Marta! Então deu certo sob vários aspectos! =)