Por que a Psicologia Junguiana é inovadora?

Sim, estou imitando Christian Dunker! Ele postou recentemente um artigo em sua coluna no UOL com título semelhante, mas no lugar de “Psicologia Junguiana” estava “psicanálise de Lacan”. Como ainda(?) não tenho uma coluna no UOL – UOL me nota! -, vou postar este texto aqui no meu blog mesmo. Não tenho por objetivo refutar Dunker. Quero apenas apresentar a Análise Junguiana de um jeito que me parece interessante. Sabemos que um ou outro quer colocar a teoria junguiana como ultrapassada ou fora de época, contudo, apenas agradecemos a audiência! Mas, para aqueles que apreciam, acho que trago 4 pontos curiosos a seguir!

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Primeiramente, ela é atemporal e, paradoxalmente, basal! A Psicologia Junguiana é capaz de acolher qualquer questão psíquica e humana. Por partes! Pensemos que qualquer pessoa típica tem nariz, boca, olhos, braços, pernas etc. Digamos que a Psicologia Junguiana conseguiu compreender o que são “nariz”, “boca”, “braços” da psique.

Em outros termos… Todo e qualquer diagnóstico, categorização e/ou atualização no que tange o sistema psíquico deve levar em as estruturas basais junguianas. Por exemplo, pensemos numa comparação simplória com o dentista. Para ele, seria o mesmo que, por mais que se tenham novos diagnósticos, técnicas de tratamento, novas intervenções estéticas ortodônticas, os dentes farão parte da boca.

Pode parecer tosco. Mas no campo psíquico, justamente por não ser tangível e não ser concreto, fica mais difícil mapear o universo psíquico. A Psicologia Junguiana logra esse êxito! Isso significa que – polêmica! – podemos entender que toda e qualquer questão psicológica típica pode tratada à luz da Psicologia Junguiana, e mais – polêmica 2! – as prerrogativas teóricas das diversas Psicologias, em grandes termos, cabem, em sua maioria, na Psicologia Junguiana! Vejamos exemplos:

  • Terapia Cognitiva Comportamental “performada” na Psicologia Junguiana. Reestruturação do ego desestruturado e reestabelecimento de uma persona funcional. Aliás, lembremos que a nossa persona não é inimiga nem do mal; ela só fica inadequada quando toma, “ilicitamente” o ego. Já ego é o elemento central da consciência, que, quando saudável, toma decisões, reflete, decide, age, por aí vai. Só se torna um mal em si quando acha que é maior do que outros “habitantes” da psique!
  • Terapia do Esquema “performada” na Psicologia Junguiana. Notamos o brilhantismo de Jung pelo mundo quando ele criou a teoria dos complexos, em 1909 (mais ou menos). Estes são núcleos emocionais referentes à experiências predominantemente moralizantes que tornam-se incômodas quando confrontadas com situações antagônicas. A Terapia do Esquema visa compreender grandes “esquemas” emocionais. Ao meu ver, em nada inova quando olhamos a teoria dos complexos de Jung. Contudo, a primeira tenta criar grandes categorias de “esquemas” emocionais. Já Jung, não tinha preocupação com isso, por, na prática, não haver necessidade. A não ser que você queira anular o complexo em vez de compreendê-lo, que é a proposta de Jung!
  • Gestalt Terapia “performada” na Psicologia Junguiana. Bem, pra mim são atuações quase “gêmeas”. A Psicologia de Jung é tão fenomenológica quanto a Gestalt. Não queremos dar significados para dramas psíquicos diferentes de como eles se apresentam. Se uma pessoa diz que ficou triste porque o cachorrinho morreu, é um fenômeno. Não interpretamos, dizendo que na verdade esse cachorro representa um objeto de transferência erótica que, ao morrer, mostra para o indivíduo quanto ele é impotente diante do mundo. Não! É uma tristeza pela morte de um serzinho querido, ponto. E a experiência é sempre do sujeito e não a que nós, terapeutas, queremos que ele tenha. Adicionalmente, existem algumas atividades práticas na Gestalt que muito se aproxima com as técnicas da Arteterapia de base junguiana.
  • Psicanálises (qualquer uma) “performadas” na Psicologia Junguiana. As psicanálises são redutivas-causais, ou seja, procuram buscar a causa raiz de determinado fenômeno/sofrimento psíquico. Não há nada de diferente na Psicologia Junguiana no que tange o modelo psicanalítico neste ponto; só vai mudar o que consideramos como “fonte” dos problemas, que, na perspectiva junguiana, pode ter uma raiz sexual ou não. Adicionalmente, também há um outro modelo na Psicologia Junguiana. Ela incrementa algo importante, que é olhar a existência do conflito em sua teleologia ou aspecto prospectivo. Na prática, é saber que um conflito não surge só porque tem uma causa, mas porque tem um sentido. Sua existência é justamente um sintoma de uma ação psíquica (inconsciente) que almeja a resolução de um problema e não demonstra qual é sua causa – se isso não é inovador, não sei o que é!

Em tempo: os exemplos acima não intencionam – pelo menos não diretamente – dizer que Psicologia Junguiana é melhor ou pior que isso ou aquilo. É apenas uma perspectiva mais ensaística e menos dentro de um rigor científico – ainda que tenha algo nesse sentido. Tentamos, portanto, demonstrar como a Psicologia Junguiana não “briga” com as outras Psicologias tal como as outras brigam com ela. A Psicologia Junguiana não limita, ela amplia!

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Ficar com imagem! As técnicas mais avançadas e modernas(?), por exemplo, para o tratamento do Transtorno do Pânico, no âmbito psíquico e não farmacológico, envolvem expor o sujeito à imagens potencialmente causadoras do pânico para que ele desenvolva uma espécie de resiliência num ambiente controlado para que este exercício seja posto em prática quando ele experimentar na vida um evento semelhante, que outrora foi causador de pânico.

Bem… desde o princípio da Psicologia Junguiana, logo após o rompimento de Jung com Freud, no fim de 1912, Jung já destacava a necessidade de apreciarmos, dialogarmos, darmos sentidos e significados possíveis para as imagens psíquicas, sejam elas produtos dos sonhos, das expressões artísticas, das projeções, das experiências pessoais, por aí vai.

Desde sempre a proposta terapêutica nunca foi “treinar” a consciência para não ter medo ou repulsa de algo e, portanto, evitá-lo, senão o oposto! Queremos levar o analisando a “passear” pela imagem para que ela, a imagem, ajude a consciência a criar novas possibilidades de entendimento das experiências externas a partir das imagens que são, essencialmente, produções internas, do inconsciente, mesmo quando reproduzidas em imagens concretas. Por fim, sabemos há muito que essa técnica resulta em melhorias significativas para o entendimento e resolução de conflitos psíquicos das pessoas.

Além disso, a Psicologia Junguiana, ou o processo analítico individual, há muito deixou de ser a rigor apenas um tratamento de saúde para ser um caminho bem fundamentado, sistematizado e de ampla complexidade que leva a um autoconhecimento genuíno, que é cabalmente diferente de um conhecimento do ego, amplamente confundido com autoconhecimento.

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Alinhada com a contemporaneidade! Nenhum diagnóstico contemporâneo é “intratável” pela Psicologia Junguiana; muito pelo contrário! Sabemos que existem diversos novos diagnósticos, formais ou informais, que na época de Jung não existiam, exemplo: Transtorno do Espectro Autista, Síndrome de Burnout, Estresse de minorias, Transtorno Borderline, Transtorno Bipolar, dentre outros… todos eles podem se beneficiar do processo analítico na perspectiva junguiana. Logicamente, em algumas situações as intervenções farmacológicas se fazem necessárias, mas elas podem ser tratamentos adjuvantes ao processo analítico.

Assim, nenhum desses diagnósticos “criam” novos sistemas psíquicos. Eles demonstram novas dinâmicas de sistemas psíquicos que já se sabem presentes, bem como foram mapeados por Jung em estrutura: inconsciente coletivo, inconsciente pessoal e consciênca; e em dinâmica, isto é, energia psíquica, símbolo e função transcendente. Conhecendo estas concepções, basta (como se isso fosse pouco) descobrir como esses “novos” diagnósticos se relacionam com elas.

Adicionalmente, em meados do século 20, a grandiosa psiquiatra Nise da Silveira, primeira psiquiatra mulher da história do Brasil, inovou ao tratar doentes mentais graves com técnicas que seriam chamadas posteriormente de Arteterapia, e que, ela mesma, por falar e ler francês fluentemente, encontrou correspondência de sua técnica com as prerrogativas teóricas de Jung, que ela leu na edição francesa do livro Arquétipos e Inconsciente Coletivo (vol. 9/1 da Obra Completa de Jung).

A Arteterapia, apesar de reconhecidamente auxiliar os pacientes em psicóticos, é negligenciada enquanto tratamento de saúde pública. Mas os locais que fazem uso desta técnica, vide o Instituto Casa do Todos (São Paulo-SP) sabem de quão frutífera ela é para, pelo menos, reduzir sintomas psicóticos. Nise soube de tudo isso por Jung descobrir, antes dela, que a produção de mandalas auxiliavam no processo de reorganização psicológica de pessoas em sofrimento psíquico.

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Modelo dinâmico! A Psicologia Junguiana, por trabalhar com princípios – tipo as leis da física, que são as mesmas em todo o Universo – é capaz de investigar crítica e cientificamente quase todos os fenômenos humanos, mesmo quando não categorizados como psíquicos (apesar de sempre serem, mesmo que indiretamente).

Logo, qualquer pesquisador da área de humanas pode se beneficiar dos princípios fundantes da Psicologia Junguiana. Sociologia, antropologia, economia, comunicação, administração, teologia, ciências políticas, direito, dentre outras áreas do saber no campo das humanas, podem ser “lidas”, interpretadas e analisadas à luz da Psicologia Junguiana.

Não é estranho que as teorias dos tipos psicológicos, de 1916, ou a teoria dos arquétipos (não tem uma data exata, mas em torno de 1913), despertem tanto interesse nas pessoas nos dias atuais. Trata-se de princípios, muitas vezes expropriados, literalizados, reduzidos e assassinados por parte de alguns, mas que em sua raiz original guardam princípios humanos, que auxiliam no entendimento da complexidade da vida via aspectos simbólicos e não literais dos fenômenos.

Dito de outra forma, nem tudo é passível de compreensão segundo uma fórmula matemática ou modelo estatístico. A Psicologia Junguiana e abarca esse manancial simbólico e atemporal de maneira brilhante, oferecendo possibilidades de entendimentos que confrontam a lógica hegemônica e incita o nosso senso criativo diante de fenômenos já conhecidos.

Faça uso você também! 😉

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